Nos últimos meses temos assistido com frequência à mediatização de fenómenos atmosféricos particularmente destrutivos: os furacões. Quase que inevitavelmente, a comunicação social associou esses fenómenos naturais a alterações do clima. Estará o clima a mudar? Será de facto o Homem, o principal responsável por essa mudança?
A história do clima é intrínseca à história do nosso planeta. Nos últimos milhões de anos, ocorreram sucessivas mudanças climáticas. Nos últimos 100 mil anos comprovaram-se já inúmeras mudanças no clima, que ocorreram em períodos de tempo de aproximadamente dez mil anos. A conhecida Idade do Gelo terminou há precisamente dez mil anos. Durante esse período, praticamente toda a Europa encontrava-se coberta de gelo. Posteriormente, entramos num período mais quente, que estatisticamente deverá estar a terminar. Ao longo destes últimos dez mil anos verificaram-se ainda algumas mudanças no clima, que embora de menor impacto a nível global, foram fortemente sentidas no território português, com subidas e descidas do nível médio da água do mar e com consequências nas actividades agrícolas. Existem registos que comprovam que no início do século XVI, o rei D. Manuel I, comia na Páscoa, uvas vindas da Madeira. É uma, entre outras provas, que nesse período o clima era mais quente que na actualidade. Nos séculos XVIII e XIX, havia neve durante todo o ano, no cimo da Serra do Marão (1415 metros de altitude). Estávamos então a atravessar um período mais frio, que ficou posteriormente conhecido como a “pequena idade do gelo”. Note-se que a Revolução Industrial ainda agora tinha começado, pelo que os impactos das actividades humanas no meio natural eram ainda muito reduzidos. Estes são alguns, entre muitos outros exemplos que demonstram que o clima sempre mudou naturalmente.
O sistema climático é muito complexo. Entende-lo na sua totalidade é uma tarefa ainda muito longe de ser alcançada. Atmosfera, correntes oceânicas, energia solar e inclinação do eixo da Terra são alguns desses subsistemas do Clima que estão constantemente a interagir. A expressão “o bater de asas de uma borboleta na China, pode provocar um furacão no Atlântico” evidencia a estreita relação entre o que um simples input num subsistema pode trazer ao sistema climático no seu todo. Quem não se lembra das terríveis consequências a nível planetário do famoso “El Niño”, que ocorre no Pacífico e se caracteriza pelo aumento “anormal” das temperaturas da água do mar como consequência da “interrupção” da corrente fria de Humboldt ao longo da costa Oeste da América do Sul? Com a manifestação do El Niño, sucederam-se inundações na Ásia, no sul de África e na Europa, enquanto que em outras regiões do mundo períodos de seca extrema trouxeram consequências dramáticas para milhões de pessoas.
O Clima está de facto a mudar. Sempre mudou e sempre continuará a mudar. Mas atribuir essa responsabilidade ao ser humano é uma atitude incoerente. Existe de facto uma associação entre o aumento da libertação de gases que intensificam o chamado “efeito-estufa” com o ligeiro aumento registado na temperatura média do ar, nos últimos cem anos. Muitas outras correlações poderiam ainda ser feitas. Mas o clima irá inevitavelmente mudar, com ou sem inputs de origem antrópica. Contudo, devemos estar conscientes que a libertação de gases para a atmosfera tem outras consequências, como as chuvas ácidas, poluição de solos, água e sobretudo do ar. No Porto e em Lisboa, é fácil encontrar uma relação directa entre os dias em que a qualidade do ar urbano apresenta valores francamente maus com a entrada de pessoas nas urgências dos hospitais Centrais, com problemas respiratórios. Todos devemos ficar preocupados com os problemas ambientais. Erosão e desertificação, poluição do ar, da água e dos solos, desflorestação, entre muitos outros colocam em risco o futuro da humanidade. Mas associar a existência de inundações e furacões, mesmo que particularmente regulares e destrutivos, com mudanças climáticas é um erro. Não só por ser imprudente, mas sobretudo porque cientificamente não é ainda possível prová-lo. E esta foi uma das razões pelas quais George Bush não assinou o acordo de Quioto. No entanto, a precaução deveria levar-nos a considerar o pior dos cenários e a fazermos da dúvida um exercício activo que apela à responsabilidade, desta vez, uma responsabilidade que não é baseada na certeza ou conhecimento infalível, mas sim, uma nova responsabilidade baseada na incerteza e para a qual deveremos procurar novas regras morais que limitem a capacidade de auto-destruição do próprio ser-humano
[1]. Esta nova atitude perante a insegurança e o risco - a precaução - é uma atitude plenamente coerente com muitas outras características que caracterizam as sociedades pós-modernas, como o fim da fé no progresso sem limites, o fim da fé na Ciência como conhecimento independente e objectivo capaz de resolver todos os problemas, a preocupação relativamente ao “ambiente” como grande valor presente em todas as sociedades e as atitudes catastrofistas e milenaristas que consagram o risco como um dos eixos configuradores das sociedades contemporâneas
[2].
Vivemos por isso, na chamada “sociedade do risco”. Por conseguinte, é essencial consciencializarmo-nos que “é impossível viver num ambiente totalmente livre de riscos” (KEITH SMITH, 2002) e que o termo risco implica não só a ideia de perigo e destruição, mas também as ideias de opção, prudência e responsabilidade, pelo que é importante considerar o contexto social no qual um determinado risco se manifesta, pois nem todas as sociedades partilham as mesmas percepções ao risco
[3].
Quando qualquer risco se manifesta, pode ocorrer uma catástrofe
[4]. E é também importante compreender que o impacto de uma catástrofe é determinado pelas condições de vulnerabilidade de uma dada comunidade. Essa vulnerabilidade não é natural, uma vez que a dimensão humana das catástrofes resulta da combinação dos aspectos sociais, culturais, institucionais, políticos e económicos específicos de cada sociedade. Por exemplo, a exposição ao risco pode variar de acordo com a ocupação, classe social, etnia, casta, idade e sexo, e, normalmente, segundo SMITH, K. (2002), são os mais pobres, os mais novos e os mais idosos que se encontram especialmente em risco. Sendo assim, o impacto de um desastre varia mais com a vulnerabilidade humana do que com a magnitude física do evento. Agora, facilmente percebemos que perante catástrofes idênticas, morram mais pessoas nos países em vias de desenvolvimento do que nos países desenvolvidos. E que nos países desenvolvidos, são sempre os mais pobres os mais afectados, por ocuparem territórios particularmente susceptíveis a determinados riscos naturais. As opções de localização são, portanto, fundamentais. Planeamento e Ordenamento do Território reassumem assim um papel fulcral com implicações directas na qualidade de vida de todos nós, cidadãos, que deveríamos diariamente ter a consciência que o Planeta Terra não pertence a nenhuma geração em particular. Só assim poderemos permitir que as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível satisfatório de desenvolvimento social e económico e de realização humana e cultural, fazendo, ao mesmo tempo, um uso razoável dos recursos da Terra, preservando as espécies e os habitats naturais. Esta é a ideia principal do Desenvolvimento sustentável, o “desenvolvimento que atende ás necessidades do presente sem prejudicar a capacidade das gerações futuras atenderem ás suas próprias necessidades”
[5]. Reflictam nisso.
Referências bibliográficas:
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· GARRIDO, Carlos (2001) – A Economia das Catástrofes Naturais. Economia Pura nº37, pp.77-78.
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· MONTEIRO, Ana; PEDROSA, António; PEDROSA, Fantina (2002) – A Vulnerabilidade da Sociedade às Catástrofes Naturais: Uma Visão Integrada Dos Riscos Naturais. Uma Carta Aberta aos Estudantes do Curso 2002/03; Comissão Coordenadora do Curso de Estudos Pós-Graduados em Gestão dos Riscos Naturais, Departamento de Geografia, Porto.
· REBELO, Fernando (2001) – Riscos Naturais e Acção Antrópica; Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, Série Investigação, 274p.
· SMITH, K. (2001) – Environmental Hazards: assessing risk and reducing disaster. London: Routledge.
· TWIGG, J. (2001) - Corporate Social Responsibility and Disaster Reduction: A Global Overview. Benfield Hazard Research Centre, London.
MORAL ITUARTE, L.; PITA LOPEZ, M.ª F. – “El papel de los riesgos en las sociedades contemporáneas” in Riesgos Naturales, Ariel Ciencia, 2002.
Risco é, para muitos especialistas da Análise dos Riscos, “o somatório de algo que nada tem a ver com a vontade do homem (aleatório, acaso, casualidade ou perigosidade), com algo que resulta da presença directa ou indirecta do homem, a vulnerabilidade” (REBELO, F., 2001). “Um risco resulta da probabilidade de ocorrência de um processo físico num contexto de ocupação humana” (Monteiro, A. Pedrosa, A., Pedrosa, F., 2002), sendo assim, existe risco quando um determinado fenómeno é susceptível de acarretar prejuízos directos ou indirectos (como a perda de recursos naturais e/ou económicos) a uma dada população. Recursos e riscos constituem assim a vertente antrópica e social da natureza, no sentido em que na sua própria definição é imprescindível a presença humana.
Quando uma comunidade é afectada por um determinado evento de origem natural ou antrópica que destrói por completo a capacidade dessa mesma comunidade, enfrentar, e por vezes, superar, os prejuízos ou danos causados estamos presente uma catástrofe (Twigg, J., 2001).